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12/04/2023 12/04/2023 11h22m
Professora da rede municipal conquista prêmio em concurso literário promovido pela UFSM

Na escola Sérgio Lopes, educadora trabalha com a identidade de gênero com os alunos e demais professores
A professora Josiane Ramos Ilha Crispam, que atua na EMEF Sérgio Lopes, no Bairro Renascença, conquistou o 2º lugar na modalidade poema do concurso literário “Vozes Negras: lutas e conquistas”, promovido pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O concurso contou com quatro categorias para inscrição e premiação, sendo subdivididas nas modalidades de narrativas curtas, poema e desenho.
Partindo de vivências da infância da professora, o poema “Linda menininha” trata da conquista de uma identidade negra que antes não existia na vida de Josiane (confira o poema abaixo). De pele negra e cabelos crespos, ela destaca o importante papel que seu falecido pai cumpriu em sua vida, pois sempre a incentivou a aceitar seus cabelos e a cor de sua pele. Porém, a tarefa não foi fácil.
“Eu batia de frente com meu pai, dizia que eu era branca. Eu me comparava com as minhas colegas do ensino fundamental. Lembro das minhas colegas que tinham o cabelo bem comprido, que era só com elas que os outros colegas queriam brincar e eu sempre ficava escanteada”, lembra Josiane.
Hoje a professora se orgulha em poder se identificar como mulher negra, processo que teve início em 2015, quando estava grávida do segundo filho. Ao ser questionada sobre o que ela gostaria de ouvir na infância, como algo que contribuísse para sua autoaceitação, ela destaca a importância de como as histórias são contadas e também sobre a falta de representatividade na sociedade.
“Qual a importância da história da Branca de Neve no meu meio aqui na escola Sérgio Lopes, onde a maioria é de crianças negras? Eu tenho que trazer mais histórias em que as minhas crianças se identifiquem e percebam a cor da pele delas como protagonista daquela história que estou trazendo”, afirma a professora.
A escola municipal Sérgio Lopes assume uma identidade antirracista, onde a maioria dos alunos é negra, assim como parte dos professores. Para Josiane, atuar na instituição a ajudou no seu processo de cura, pois ao longo da carreira, sentia que não era levada a sério. Porém, na escola, sentiu que estava no lugar certo.
A diretora da escola, Andreia Shorn, foi quem incentivou Josiane a se inscrever no concurso literário, pois sabe da grande relevância que o tema “identidade” traz para a vida da professora.
Ao falar sobre representatividade negra, Josiane conta que na EMEF Sérgio Lopes até os brinquedos fazem parte desse processo, mas já presenciou muitas alunas não se identificando com as bonecas negras, optando sempre pelas Barbies e bonecas de cabelos lisos. Com base em sua própria experiência, a professora destaca que a melhor forma de incentivar os alunos a se aceitarem é trazendo livros e histórias onde predomine o protagonismo negro para que, assim, as crianças possam se identificar desde cedo.
“E não é só professor negro que precisa trabalhar em uma identidade antirracista. Os professores também! A branquitude precisa entender que não é só o professor negro que trabalha com essas questões, e que todos precisam se envolver e erguer essa bandeira!”, complementa.
O concurso “Vozes negras: lutas e conquistas”, que tinha como um dos objetivos fazer uma análise crítica da sociedade, ainda não tem previsão para uma segunda edição, mas Josiane não descarta a possibilidade de seguir nesse ramo da escrita. Tomando como experiência a recente participação, a professora ainda pensa em escrever um livro para reforçar o pensamento de que a representatividade negra precisa ser pautada na sociedade.
Linda menininha
Josiane Ramos Ilha Crispam
Olha que bonitinha!
Nasceu uma linda menininha!
Sarará como o pai a chamava.
Ele, negro de pele clara, cabelo pixaim
neto de escravizados.
Gostava de zombar da menininha,
que não se aceitava.
Era humor de puro disfarce
para a dor que lhe causava.
Menininha que rechaçava sua cor,
Menininha que repelia seu cabelo.
Negava a história nos livros contada
Talvez venha daí o primeiro vermelho
Esta disciplina algumas vezes lhe encabulava.
Menininha ouvia a tia dizer: cabelo crespo é “ruim”!
Menininha não questionava.
Dos olhos puxados por seu cabelo comportado
não reclamava .
Cabelo “ruim” pra quem?
Cabelo “ruim” a quem incomodava?
Menininha não sabia responder!
Vivia apenas com a dor de ter nascido sarará
e de ter cabelo “ruim”.
Menininha cresceu...
Passou anos escravizada
por químicas que deformaram seu cabelo.
E o negro pai zombava
da sarará que não se identificava.
Era humor de puro disfarce
para a dor que lhe causava.
Já mulher,
esperava o segundo descendente.
Decidiu que daria o nome do avô, seu antecedente
Encorajada, libertou-se da clausura das químicas.
Regenerou-se...
Passou a aceitar sua cor pálida
sua etnia negra , sua origem africana
e a história linda de seus antepassados:
negros(as) robustos que trouxeram vida para este país.
E o seu processo de cura está sendo lindo!
A menininha de antes, reconheceu-se filha, mãe, mulher,
professora negra antirracistas.
Acredita-se que lá do céu,
o negro pai, acompanha seus passos.
Ainda zombando da menininha com humor
porém agora sem dor.
Nos dias de hoje
ela se empodera!
Anda com seu cabelo crespo solto
e livre ao sabor do vento...
Texto: Alissa de Oliveira (estagiária do curso de Jornalismo da UFSM)
Fotos: Ariéli Ziegler (Mtb: 18.114)
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